entre o litoral e o sertão acontecem travessias que não se apagam. são carimbos que recebemos em passagens de olhos e marcadas nos vistos de nossa memória. entre o sertão e o litoral, o sal da testa é também o mar que nos consola por sermos tão minúsculos. de recife a salgueiro, passando por juatama e juazeiro. açude do cedro e rio são francisco, praia de Iracema e alto do cruzeiro. tudo, enfim, visto e contado pela primeira e pela última vez datilografado e cozido em livro.
CABIDELA
joão ernesto
1ª edição, 2019
Há poemas de amor, de desamor, de cotidiano e rotina, ressaca e beijo de ontem. Nesse livro de João Ernesto Mota Martins muitos caminhos possíveis se apresentam para que o leitor siga adiante. Ritmos diversos parecem seguir uma melodia coronária, apaixonada, latente, de cama e saudade e em seguida não se quer necessariamente a paixão, como se houvessem “policiais dentro de mim sempre dispostos a lançar bombas de gás lacrimogênio a qualquer manifestação apaixonada”. Em outra página estamos andando pela cidade, em algum bar, olhando transeuntes, encarando com incredulidade e esperança “o desespero convivendo com a mão firme”. E fica-se com a impressão que João Martins escreve “com um crocodilo no canto da sala”, tangido por um pedaço de pau: há nesse livro (e nessa escrita) interrogações crescentes, filosofias de largo, opiniões de tanto como quem tem um olho aqui e outro no reptil a espreita. A poesia devora o que dela não sai. Ainda assim João Martins roda por todos os cantos da sala, com a camisa rasgada que lhe grita o nome do amor ido, entre soluços coronários, coxas pixeladas, rotas de colisão... E volta ao amor, mesmo que para nos alertar que a língua, sugo, “sugar, sal e melaço” são o esporte preferido de tantos poetas porque “encruda tudo e encontra uma solução todos os dias.”
Ayla Andrade